Governos e Organizações debatem transição energética e mercados de carbono no 3º Seminário de Energia e Clima da CPLP

Depois de Cabo Verde, a Série de Seminários de Energia e Clima da CPLP reuniu, no Brasil, Governos e Organizações para discutir a transição energética e os avanços da regulamentação dos mercados de carbono nos Estados-Membros da CPLP.

O terceiro seminário, que decorreu no passado dia 4 de Novembro, no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi promovido pelo Governo de São Tomé e Príncipe, que detém a Presidência em exercício da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), juntamente com a Comissão Temática de Energia dos Observadores Consultivos da CPLP, cuja coordenação está a cargo da Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) e da Associação de Reguladores de Energia dos Países de Língua Oficial Portuguesa (RELOP).


Mayra Pereira, Presidente da ALER, iniciou o seu discurso na Sessão de Abertura acautelando que “nos países africanos, a questão dos mercados de carbono está ainda numa fase inicial”. Segundo a Presidente da ALER, a grande maioria tem políticas e leis do meio ambiente, mas a legislação em torno dos mercados de carbono ainda está a ser desenhada. Embora a diversidade ecológica, social e cultural possa juntar Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, no processo dos mercados de carbono identificam-se alguns desafios. Para Mayra Pereira, é necessário olhar “pela lente do afro-futurismo” e re-imaginar o continente africano para que este possa aceder, de uma forma mais facilitada, àqueles mercados. Para isso, diz ser fundamental a união na geração de conhecimento e na troca de experiências. “Em Cabo Verde [no 2º Seminário de Energia e Clima da CPLP], começámos este princípio de uma acção conjunta”, referiu. As discussões tidas nesse seminário, segundo a Presidente da ALER, realçaram a importância de uma África falante de português mais unida, que encontra em países como Portugal e Brasil a sua âncora e base para parcerias.


Também Sandoval Feitosa, Presidente da RELOP, defende que “Portugal e Brasil desempenham um papel importante no processo de integração [dos países de língua portuguesa nos mercados]”. Sandoval Feitosa reforçou que a localização estratégica de Portugal na Europa viabiliza o acesso a mecanismos de financiamento que impulsionam o desenvolvimento de energia renovável nos países lusófonos. Para além disso, assume que o Brasil é uma referência mundial, pelo seu potencial de produção de energia renovável, sobretudo, no que respeita à geração de hidro-electricidade e à exploração de energia solar-fotovoltaica e eólica. “Desenvolvemos mecanismos legislativos de incentivo à produção de energia renovável, que aliado a um mercado consumidor bastante pujante, (…) faz com que tenhamos um ecossistema perfeito”, referiu. Segundo o Presidente da RELOP, o potencial do país, as políticas públicas e o seu mercado consumidor permitem ampliar a geração de energia renovável. Nesse sentido, reforçou a importância da transmissão e partilha de conhecimento, principalmente em culturas próximas e de origem comum. “De nada adianta o conhecimento se ele estiver insulado. (…) Acredito muito na união dos países.”, rematou.


Gabriel Makengo, Director de Energia da Direcção Geral dos Recursos Naturais e Energia, do Ministério das Infraestruturas e Recursos Naturais de São Tomé e Príncipe, salientou que o mercado de carbono “não é apenas uma ferramenta económica, mas uma oportunidade para promover o desenvolvimento sustentável, alinhar os esforços contra as mudanças climáticas e garantir um futuro próspero e mais equitativo”. Segundo o Director de Energia, trata-se de uma resposta estratégica e colaborativa, que se revela um modelo eficaz para reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa, ao permitir que os países e empresas compensem as suas emissões, investindo em projectos de mitigação, como as tecnologias limpas. “No espaço da CPLP, vários Membros possuem vastos recursos naturais que desempenham um papel crítico na captura de carbono, especialmente através de florestas, solo e ecossistemas marinhos”, referiu. Esses recursos “são activos estratégicos que podem ser monetizados através dos mercados de carbono, gerando receitas para financiar o desenvolvimento sustentável e a adaptação climática, atendendo às linhas mestras do G20”, acrescentou. De acordo com Gabriel Makengo, a CPLP “pode desempenhar um papel fundamental na coordenação de políticas, intercâmbio de boas práticas e apoio técnico” e “a criação de uma plataforma comum para a negociação de crédito de carbono e o fortalecimento da cooperação científica podem ser passos importantes nessa direcção”.


Carlos Alexandre Pires, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Secretaria Nacional de Mudança do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, relembrou que o Brasil se antecipou ao resto do mundo e promoveu, durante a década de 70 e 80, a sua própria transição energética, ainda que por circunstâncias diferentes das que existem hoje em virtude das alterações climáticas. “Ainda persiste, de certa forma, (…) essa narrativa de que o Brasil já fez a sua transição energética, enquanto o resto do mundo se debruça e dialoga sobre a sua transição”, referiu. Embora a realidade do país seja distinta da realidade dos restantes países, Carlos Alexandre Pires defende que é necessário endereçar outros problemas relacionados com a transição energética, nomeadamente a desigualdade e a justiça climática. “A nossa transição energética precisa de ser moldada a nosso favor”, enfatizou. Com as dificuldades sociais e económicas do país, é importante “transformar a transição numa oportunidade de crescimento, de transformação ecológica e transformação energética para que possamos auferir algum benefício nesse processo”, acrescentou. Para além disso, considera premente tornar a linguagem da mudança do clima e da transição energética clara e simples para o cidadão comum. “Existe todo um jargão que precisa ser trabalhado” para que o “cidadão mais vulnerável às mudanças do clima, saiba exatamente o que ele precisa de fazer”.


No 3º Seminário de Energia e Clima da CPLP foram destacados os principais resultados alcançados no Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20, nomeadamente a definição dos dez princípios da transição justa e inclusiva (que contempla o que está previsto no ODS7 estabelecido pela ONU; e no primeiro Global Stocktake instituído na COP28) e a criação de um acordo global de planeamento energético para a implementação de políticas mais eficientes e sustentáveis. Para além disso, foram levantadas questões sobre as emissões líquidas zero, a desflorestação, a adaptação às alterações climáticas, a justiça energética e a dignidade de acesso à energia. Seguiu-se uma mesa-redonda sobre a regulamentação de mercados de carbono nos países da CPLP, que incidiu, sobretudo, no caso de Angola, Brasil, Moçambique e Portugal. Foram partilhados os desenvolvimentos legislativos dos mercados regulados para o alcance das metas de neutralização de carbono, as orientações para a certificação de carbono com segurança jurídica e, ainda, exemplos de operacionalização do mercado
de carbono e tramitação de créditos. Neste seguimento, foram também analisados diferentes mecanismos de financiamento e incentivo de créditos de carbono, bem como os seus desafios. Por fim, foram apresentados diversos casos de estudo de créditos de carbono no sector da energia de Angola, Brasil, Moçambique e Portugal.


Vários representantes dos Estados-Membros da CPLP marcaram presença no evento e integraram diferentes painéis. De destacar: José Bernardes, do Ministério de Ambiente e Energia de Portugal; Paula Panguene, do Ministério da Terra e Ambiente de Moçambique; Rui Ferreira, do Ministério do Ambiente de Angola; Fernanda Castro, do Instituto Nacional de Crédito de Carbono do Brasil; Ricardo Almeida, Procurador do Município do Rio de Janeiro; Glauce Botelho, da Empresa de Pesquisa Energética do Brasil; Emanuel Bernardo, da Associação Angolana de Mercados de Carbono; Hélder Rodrigues, da ADENE – Agência para a Energia de Portugal; e Artur Trindade, da RELOP.


Este terceiro seminário contou com o apoio do programa GET.transform (financiado pela União Europeia e pela Cooperação Alemã), da Agência Alemã para a Cooperação Internacional (GIZ), da ApexBrasil – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, da ABSOLAR – Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, da ANEEL – Agência Nacional de Energia Eléctrica e do GESEL – Grupo de Estudos do Sector Eléctrico do Brasil. O evento foi ainda patrocinado pela ANPG – Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, ALSF – African Legal Support Facility, Miranda Alliance, Sonagás Energias Renováveis e APP – Águas de Ponta Preta.


Trata-se do terceiro de uma Série de Seminários de Energia e Clima da CPLP, que visa fomentar a partilha de experiências e o intercâmbio de boas práticas entre os países da CPLP, no âmbito da transição energética; e promover a complementaridade público-privada de recursos financeiros em projetos de energia sustentável.


No quarto e último seminário desta série, a acontecer em Março de 2025, em São Tomé e Príncipe, será lançado o “Roteiro lusófono da transição energética para a COP30”, que compilará as estratégias de transição energética e financiamento climático de cada país da CPLP e identificará os pontos de cooperação entre eles.


A Série de Seminários de Energia e Clima da CPLP conta com o apoio institucional da CPLP, do Ministério das Infraestruturas e Recursos Naturais de São Tomé e Príncipe, do Ministério da Energia e Água de Angola, do Ministério das Minas e Energia do Brasil, do Ministério de Indústria, Comércio e Energia de Cabo Verde, do Ministério da Energia de Guiné-Bissau, do Ministério dos Recursos Minerais e Energia de Moçambique e do Ministério do Ambiente e Energia de Portugal.